Um coração de criança, um olhar de Pai!

Deixai as crianças virem a mim. Não as impeçais, pois delas é o Reino de Deus.

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Traziam-lhes crianças para que as tocasse, mas os discípulos as repreendiam. Vendo isso, Jesus ficou indignado e disse: “Deixai as crianças virem a mim. Não as impeçais, pois delas é o Reino de Deus. Em verdade vos digo: aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”. Então, abraçando-as, abençoou-as, impondo as mãos sobre elas. (Cf. Mc 10, 13-16).

 

O Evangelista posiciona em cena personagens tão caros para o seguimento de Jesus no caminho: as crianças. O destaque do Nazareno e do Evangelista tem uma função pedagógica muito especial, principalmente na formação do discipulado. A repreensão às crianças indica com que intensidade os discípulos estavam afastados do jeito de ser de Jesus.

 

Esse modo de impossibilitar que as crianças se aconchegassem perto de Jesus mostra a desconexão e inconsciência dos discípulos com a proposta da construção do Reino de Deus, onde os últimos e os mais frágeis são preferencialmente chamados e “tocados” pelo Mestre. Com as crianças, Jesus eleva todos os excluídos à condição de prediletos e prediletas do Reino.

 

Com o comportamento escandaloso dos discípulos, o autor sagrado diz que Jesus se aborreceu. Outros evangelhos narram este episódio, (Cf. Mt 19,13-15; Lc 18, 15-17) mas somente Marcos (Cf. Mc 10,14) diz que “Jesus se aborreceu”. Este pormenor capta o valor que Jesus dava às crianças, como também denuncia o quanto era absurda a atitude dos discípulos. Logo, expressa a preocupação do escritor sagrado em evidenciar a humanidade de Jesus, um homem de sentimentos. Ele não só não permite que as afastem, mas se aborrece... pois percebe a dureza dos corações em entender seus ensinamentos.

 

O mandado de Jesus para que os discípulos não proíbam que as crianças se aconcheguem perto dele, requer o comprometimento da Igreja de todos os tempos: ajudar os mais vulneráveis e excluídos. As crianças são apresentadas como protótipo, e para pertencer ao Reino, é preciso tornar-se semelhantes a elas (Cf. Mc 10,15). A criança é espelho de quem precisa aprender, de quem não trama a maldade, bem como não alimenta ambições, e também não se sente autossuficiente; de quem tem um espírito leve e alegre. O gesto de abraçar, abençoar e impor as mãos sobre elas salienta o amor acolhedor de Jesus pelas crianças e os mais vulneráveis. Desaceitamos, todo tipo de abuso e agressões contra as crianças.

 

Rememorando a passagem bíblica, que pede acolhimento dos pequenos, e em meio ao caos da pandemia do coronavírus, permanecemos, horrorizados e desorientados com a barbárie cometida contra o inocente Henry Borel, criança de apenas quatro anos, assassinada depois de torturada. A necropsia constatou múltiplos sinais de trauma, como equimoses, hemorragia interna e ferimentos no fígado, típicos de agressão. O noticiário foi tomado pelas reportagens, sobre a prisão de um vereador da Câmara do Rio de Janeiro e sua esposa. O bizarro é que o “camarista” se apresentava em campanha como “defensor da família”. Perguntemo-nos: o que significa em nós defender a família? Por que a mentira soa tanto como verdade aos nossos olhos e ouvidos?

 

“Ser visto pelos olhos das crianças é uma experiência que todos conhecemos e que nos toca profundamente no coração, e que nos obriga também a um exame de consciência. O que nós fazemos para que essas crianças possam nos olhar sorrindo e encontrem em nós a confiança e o mesmo olhar terno de Jesus? O que fazemos para que esses olhos não sejam corrompidos por aquilo que, nós adultos, divulgamos na rede?” Onde foi que guardamos as palavras do mestre Jesus que não as achamos para colocar na lida do dia a dia? “Trabalhemos, portanto, para ter sempre o direito, a coragem e a alegria de olhar nos olhos as crianças do mundo.” (Papa Francisco)

 

Diante de tanto endurecimento de coração e de rigidez insana que toma conta da nossa existência, convém nos perguntar, por que enrijecemos o nosso coração e adoecemos com condenável adultez. É indispensável voltarmos às nossas raízes. É essencial que a gente se cure da doença de ser grande e, como criança, nos abandonemos nos braços do Pai cuidador.

 

Que Ele nos livre da autonomia arrogante e da autossuficiência autoritária, que impede de fazer o bem, a abraçar o espírito da partilha, da tolerância e da paz. Que não permitamos que o espírito de criança que há em nós se envelheça precocemente e que, sobretudo, não permitamos a morte de nossas crianças numa crueldade tão mesquinha e desumana. E que saibamos ter um olhar de pai, que acolhe e abraça e não permite outra coisa que não o encontro amigo, que oferece colo e estende a mão.

 

Com o coração de criança, podemos caminhar tranquilos e serenos, seguros nas mãos do Pai. O nosso pequeno anjo, Henry Borel abriu as asas, voou para os céus e está olhando lá por cada um de nós. “Pai, deixa eu ficar mais um dia com você”! “Deixai as crianças virem até Mim”!

 

Nossa solidariedade e orações aos familiares, parentes e amigos.


REFERÊNCIAS:

 

BÍBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo: Paulus, 2002.

 

CORNÉLIO, Francisco. Reflexão para o 27º domingo do Tempo Comum (Mc 10,2-16) Disponível em: https://www.fiquefirme.com.br/75-reflexao-para-o-27-domingo-do-tempo?comum-mc-10, 2-16 Data: 09/04/2021.

 

LELIS, Diego. Ser criança. Disponível em: https://www.fiquefirme.com.br/164_ser_crianca. Data: 09/04/2021 PAPA, Francisco. Disponível em: https://pascombrasil.org.br/2924-2/ Data: 09/04/2021.

 

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04/2021

Pe. Valmir Andrade dos Santos - PODP
Pe. Valmir Andrade dos Santos - PODP